quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Bailarina


Eu vou te contar
um segredo:
sou demoradamente
apaixonado
por uma bailarina.

Talvez ninguém
nem mesmo ela saiba
do meu amor tão
guardado e clandestino.

E é assim que tem de ser,
está escrito. Só poder vê-la
em aparições bissextas
numa estação inventada.

Essas artistas, eu sei,
não se podem expor demasiado,
um fogo de artifício
pode ferir olhos tão delicados.



Esse olhar de sereia
que me toma de empréstimo
a um só tempo
meus melhores
livros discos e sonhos.

Ao vê-la dançar pelo mundo
com meu papel e a caneta
(que nenhum poder ostentam)
só posso tecer essa obra pobre
para lembrar do seu cotovelo delicado
sobre o meu tão quieto e calado.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Rever o ano

Desta vez
quando o ano novo virar,

não tocarei tambores estrangeiros
tampouco dançarei
nu
no mar.

Hoje eu vou querer
                     rever
e olhar de novo
rever e olhar de novo para
todas as coisas
e seus sentidos.




Aprendi com minha sobrinha
a não deixar nada parecer

maior ou menor
do que relmente é,

eu
quero me sentar sobre
uma onda nova
e cavalgá-la como um bebê
no tempo.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Caleidoscópio


Eu venho percorrendo
o alternativo.

Nas lembranças,
nada mais se sabe
do que é vulto, sono ou vigília.

Como alguém
que partiu-se há muito em
vinte e sete pedaços

vejo-me recolhendo estilhaços diversos
e a união de partes coloridas, sem cor



é o vitral de uma igreja
um caleidoscópio
ou tão somente uma garrafa partida.

De volta, meu espírito antigo e moço
- nascimento, morte -
vem buscar
as várias pessoas que me guardam

no pequeno caco de vidro
joia
ou falso brilhante.

E a minha felicidade é esse ir.

Sou uma árvore cujas raízes,
uma espécie solitária feita de vento e perdão,
atravessa séculos
em busca de amor e liberdade.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Retrato

Recortei
teu
rosto
no retrato



e o colei
sobre a mesa
junto de tantos
                outros.

Assim,
ao jantar, na noite,
não estive tão só.

Conversamos
e me escutaste
como nunca ninguém
fizera.
Enquanto se preparava
a comida, eu dizia
que era isso a vida
que era isso a literatura
que era isso a lida com seu tempo.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Oração ao velho passarinho

Que mantenha-se água
em nova e líquida luz
este estar;



porque tenho em mim
- velho, vai, voa -
o pássaro
    
 e que esse
me venha zelar sonos

a solitária batida de um tempo

e os cadarços
oh pequeninos, pequenos
do meu tão simples sapato.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

À flor da pele

À flor da pele





A flor da pele
nasce em superfícies lilases

a lápis
ou lágrimas.

Vamos descrevê-la
em ilusões do ver:

a sereia
que mora escondida
por trás de todo sentido.

Assassinatos ou falhos atos?

Se, a qualquer momento,
morreres
por teus ombros delicados

- que somente vida devem suportar -
abre uma grande boca para o mundo
e sorri.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Desenho





Ouvi alguém dizer
para construir as coisas
como num desenho

um morador
um arquiteto
um engenheiro

mas a construção pede
que se escreva, escave e verifiquem o terreno

porque tudo se pode desfazer
num jogo, duelo com
terra sombra e morte.



Nossos avós nos vêm acompanhar nisso.
E mesmo os bebês que nascem colaboram
com essa luta,
é um ser humano amante
brigar com a destruição a tomar tudo adiante.

Ainda que se percam as vozes
e luzes no caminho...os pais
o dinheiro a dignidade o respeito

nos resta
desenhar o sonho,
desenhar no sonho.

sábado, 13 de agosto de 2011

Canção


Há uma placa

na porta
com o dizer
“Hoje não cantaremos”

mas
haverá hora
de a canção chegar
tão branda
lume d’água

que, ao invés de passos grossos
no assoalho

como crianças com meias, deslize,
nós escorregaremos um ao outro.

Poema de regeneração

Após flechas,
essa parte dos poros
se fechará. Está fechada.



Com isso,
sei não haver espaço
para vermes no miolo.

Não mando em justiça
da mesma maneira que frutas
incontém tempestades e vento.
Ninguém manda nos ventos. Nas pedreiras.
Justa é a pérola na concha.

O orvalho soa simples, noturno (fechou-se)
e noto-me: esses relógios gordos
regeneram e protegem.

Canja



Comer é sagrado.

Se cozinho
minha canja

as ferramentas de cozinhar, todas,
muito respeito têm pelo bicho
que vai ser alimento:

por ser mais fácil andar numa rua refogada,
a faca vai macia, maciinha;
pouca água é necessária pro canto da pressão.

Então, a galinha, faceira, não sofre -
ela meio vai mergulhando n’água
e nós nos divertimos muito

porque o que bicho e gente precisa
é dessas coisas nutritivas,
como o azeite de dendê
e o dengo.

A panela assobia,
meu galinho pia
e os três, dançando, nos arreparamos:

quando a gente aprende a fazer canja,
é porque cresceu?

Guardadas na caixa

Venho aqui para dizer que costumo, geralmente, dividir meus poemas em blocos, grupos.

Acabo de fazer uma grande mudança e acabei encontrando, numa máquina antiga, alguns poemas do passado. Não nasci com a poesia. Na verdade, descobri os poemas como fala há uns 10, 12 anos atrás.

Os poemas que aparecerem aqui com a tag #guardadasnacaixa são, na verdade, instantâneos de tempos passados com os quais ou eu não me identifico mais, ou ainda ressoam. Podem também ser uma espécie de registro da minha própria história com as palavras.

sábado, 16 de julho de 2011

Barco


Eu achava que, ao apagar as luzes da casa pela noite, estava fechando escotilhas de um grande barco. Nesse casco enorme, me fortaleci e aumentei como um gigante. Era apagar a luz do fundo, depois corredor e a ponta.


Cada ranhura no convés são as cicatrizes e desenhos apaixonados feitos pelos piratas, tripulantes e um menino com jeito de capitão.

No ir de onde fui por passagem, muitos encontros e desencontros: instantâneos que se diziam eternos desfazendo-se na maré baixa.

Minha ternura com o ranzinza vento noturno entre as águas.

O brilho perolado e verdadeiro. E o tecido negro do céu desfazendo-se em falsos e verdadeiros orifícios luminosos.
Estive só, viajei, encontrei, desencontrei, amei e as velhas velas me fazem de brânquias e memórias. Circulado num azul de limites, amigo dos peixes mistérios e encantos do humano.

Tudo isso para agora te ver e perceber que a proa das pontas, pros corredores e luzes que afundam desembocam nas praias de, reconhecendo?, ter encontrado eram: você.

domingo, 3 de julho de 2011

Acidente

Você me concede
de novo
esse doce acidente?

Cede
o esbarrar leve

e licoroso
dos meus dardos
sobre o teu beijo
de gosto?

E me despeço
mais uma vez,
no pescoço...
perdão!

Mas meu sonho
quer que cresça o contato

enamorado e voraz pegando
mais
da sua boca bela pele cabelos
é o tato é o tato é o tato.

O que em mim não possui nomes
ou regras deseja-te perto
num aperto seguro
entre abraço apertado e soltura

é doçura
tão somente
o que sinto:

não me devem punir
por pedir

a deus, remoçado, rezando
somente que caiam do vento
molhados

seus lábios nos meus, tão meninos.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Bilboquê

A ideia








de ver o gato
atravessando as grades
para a casa baixa

era
dar mobilidade
ao corpo.

Assim,
os corações iam sendo
desfeitos
e colocados no lixo
no meio do caminho

mas a cabeça
poderia deslizar para cima
uma pipa, um balão.

Enquanto o corpo
- bilboquê –
fizesse o trabalho maquinal

a cabeça flutuaria com os pássaros
sonharia as nuvens
meus cabelos brancos.

Esses olhos cansados
dourados com o sol
te aqueceriam num andar arrumado

você manteria essa pose
e eu lançaria um sorriso

por me reconhecer repartido
e feliz ao te ver em toda parte.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

Para ouvir um concerto de Paganini

Sou o primeiro na noite
a ouvir quando a gota
cai sobre a folha

e o que se desenha
na queda

é
a sua canção.



Difícil de ler
porque sinuosa
seca e doce.

Vejo-nos soterrados.

Essa melodia
atravessa
por sua natureza gentil
brotos
uma nota. E respira. Areja,
são arcos verdes.

Respiração arfante
agitada e silenciosa.

Ela é o andar sobre curvas
de um instrumento emudecido
embevecido e úmido

- o que o molha? lágrimas? sereno? essa mistura dos dois? -,

a tua música. Leio as páginas
mas as palavras escondem tudo
os sons iludem

tua figura de frágil força.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Verde

Às vezes
deitado no meu leito
sou uma cidade
e suas árvores.

Minha respiração
que ofega
é o ir e vir
do sangue verde

ele é rio
para os deuses
que dançam sobre mim.

Cada folha
uma parte de um quebra-cabeças.

No tronco,
um mosaico
onde comem e dormem
vermes e passarinhos.

Respiro
e as estradas
viadutos se erguem
para atravessarem (travessos)
carros e crianças.

Virar para o lado
e beijar
suas pálpebras

me fará
desmanchar em água nova

e toda a vida
começará
oceano oceano oceano.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Língua

Na recuperação dessa forma
tive de passar
inevitável e irremediavelmente
por você
suas pedras e penas.

O círculo se fecha.
Estou a terminar
a leitura do livro.

E me desfazer de ti
é a desaprendizagem de uma língua inquieta.

Sou alguém anterior à palavra. E, em breve,
me restarão pobres e rudimentares
grunhidos, ruídos.

Me deixar te esquecer
será desligar as canções das cenas cotidianas
as mãos dos teus gestos de carinho frio
colocar flores para o enfeite das horas mais tristes.

Em contagem regressiva,
o desbotar do primeiro encontro no parque
aquele seu abraço sem jeito e mal-educado
toda a imperfeição que aprendi a amar.

Oco de som e sentido, então,
saio nas ruas já de manhã
para soletrar letra e sílaba
de um pássaro branco.

Canto na aurora
como um animal que
aprende o amor pela primeira vez.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Peito de pano

Na parte de cima
da casa
que escolhi pra morar,

quando a costureira
derruba um botão
o ouço
como se estivesse lá. Caísse em mim.

Nas abas
da memória turva
quando chega a rosa rainha

e a vejo dançando
em volta de mim
não há divisão no tempo
estamos lá
conversando

sobre as rodas
o que virá:

- Você vai se surpreender.
Era verdade. Eu me surpreendi.

Sou a camisa desabotoada
desbotada e amarela

marcada pelo
tecido daquela saia
por aquele abraço grande

aquela montanha
acolhendo a gente. Grande. Leve, aberto.

Precisa haver justiça
na morte dos nossos mestres, sentido.

Percebo-me feito
desses retalhos
cada
fio foi
amarrando torto fazendo tosco
esse peito de pano.

terça-feira, 8 de março de 2011

Por que você não consegue ler esse livro?

Você não consegue lê-lo
e o leva junto das roupas
numa viagem de carnaval
porque percebe isso,
que já viu antes:
uma vareta de indiano incenso
queimou seu perfume sobre todas as coisas.

Esses riscos de ar
desenham uma casa
formada de aparências, miragem
cuja residência
seus dedos declinaram.

Trata-se da primeira vez
a passar pelas plantações
devastadas por um março líquido
em que julgas viajar sozinho, mas
lá está o fantasma a impregnar tudo.

As personagens do livro
trocam cartas
e entre uma página e outra
sussurram sobre os absurdos
desse triste destino:

- Veja os olhos. Não são mais os mesmos.
- Cadê aquele brilho?

Enquanto os de sua idade
permanecem num estado estranho
misto de sono e vigília
pelas vozes de suas séries,
o médico gostando de assassinatos
os amigos que dividem, felizes, uma casa
as famílias de mulheres perspicazes,
toda uma cultura seriada e instantânea, alheia a sua,

eu me vejo parado. Exercitando perdoar o passado
exorcizar os demônios de estimação que deixou
e escutando os rastros de som seus que se espalharam
pelos espelhos e páginas da minha pele e livros.
Agora, chega. É hora de ler toda a história até o fim.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Exercícios (lastro)

Exercitar ser
uma folha em branco
(sem passado ou amores)

reconhecer os vestígios
vestidos no passado:
seus uniformes.

Os laços e os lastros.
Olhar as escápulas.

Sem se excitar
demasiado

por saber
que dentro

residem essa carne
e as peles
repartidas

em várias
subcamadas de
escamas tempo
e sangue.

Ignorar e reconhecer
a vida restante e seu pó
para poder se deixar levar com o vento.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Oração à chuva

Hoje, antes
de ir de casa

deixei as janelas
         bem abertas;

talvez chova

              muito
(me avisam os pássaros)

e
os lençóis enxáguem a cama
a chuva encharque o muro
minha pequena santa verde
                     pareça chorar.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cerimônia

O amor é uma
dessas cerimônias
que nos devolve a infância.

A gente olha
pra pessoa que quer perto
e, de repente, as roupas encolhem

esse menino de 10, 11 anos
perdido no meio de uma camisa social de adulto.

Não pensar em outra coisa.
Nem querer perder teu nome da boca.

Esperar e ficar triste
pelo abandono
pela ausência

por ter sido esquecido pelos pais
na escola pequena.

Me zangar
como se seus braços fossem os primeiros
o beijo inaugurasse um momento novo

e os nossos pés juntos
(um sem saber como procurar o outro)
fossem um rito de perder idades.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A paixão é um trapézio

 


Eu
me movimento
na direção (contrária)
para lá
pegar pulso
e impulso

respirar fundo
porque a paixão é um trapézio
com
                                     você
                                     do outro lado.

- Vem?
- Não.

Vou? Entre nós, a lona
e o chão infértil de uma realidade sem amor, nem poesia.
Um passado que insisto em pisar para trás com seus círculos de fogo.

Como num show de variedade,
controlo e articulo os músculos de uma face máscara:
trapezista ou palhaço? Que papel me dá?



Sobre o picadeiro,


cada um a seu lado?
a queda?
eu de mãos dadas com você?

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

2

Sigo te esperando
durmo e durmo e durmo
e acordo
sem respostas suas.

Guardo o melhor
do jardim pequeno
para você: o manjericão
a abre-caminho, o capim-cidreira
querendo te acalmar
e temperar esses inícios que
não são fáceis. Perfumar o cansaço.

de repente, você some

e a cidade inteira
se apaga.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sobre garrafas e memórias

Não me lembro
se já escrevi sobre isto antes.

A garrafa que guarda
suco de uva e vinho
quando esvazia
            deixa restos
            riscando o vidro.

Pode-se chacoalhá-la
e ter algum som
ou
ver os desenhos
que se formam
            nas paredes
            desse continente cristalino.

Com a memória
não há diferença.
De um caminho para outro
nos movemos
            conteúdos
            formando imagens do que restou
            frutas bebidas pequenos festins
            tudo desaguando
            em rios e aquários de rubra peça.

Pesca-se o restante montando cabeças em
troncos
e pernas invertidas, um brinquedo infantil.

Se queres entrar, peça-me passagem.

Lembrar não é recordar
mas, aos poucos, por cheiro gosto
e ódio
ir recompondo esses quebra-cabeças
            das crianças avessas
   que fomos eu e tu
            os trabalhos perdidos
                                    a esperança.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Texto seco sobre silêncio e mar

Num texto seco,
escrevo
sobre como não há silêncio absoluto e um mar.

Quero toda minha obra pobre sobre essas marcas de pó.

A falta de som
amontoa pequenos significados juntos
como na pequena gota de sangue
a carregar todo o registro
do que somos éramos seríamos seremos. Sérios rios e serenos.
Não usar o presente como fotografia. Tampouco usá-las para viver de modelos

As pessoas não conversam
depois das chuvas
os automóveis carregando
um chacoalhado ao lado do outro
no modo da mãe com seus bebês

os televisores falam sozinhos
para casais na sala escura
seus filhos adormecidos

ou com homens sozinhos
sentados no terreno grande

lavrando a chuva de espera
sem desejar que muda ela seja
a árvore e a hora certeira.

Os momentos e poemas sem sal
apenas os são, mais nada. Eu leio as ondas
para saber que não consigo escrevê-las.

E os seus movimentos ritmados
nunca se repetirão no chão das minhas rimas meninas, coração.

Olhar-nos nus é o mesmo que estar
diante das águas. Onde levam

aquela folha que você via correr na calçada
quando os mais velhos a lavavam?