segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

2

Sigo te esperando
durmo e durmo e durmo
e acordo
sem respostas suas.

Guardo o melhor
do jardim pequeno
para você: o manjericão
a abre-caminho, o capim-cidreira
querendo te acalmar
e temperar esses inícios que
não são fáceis. Perfumar o cansaço.

de repente, você some

e a cidade inteira
se apaga.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sobre garrafas e memórias

Não me lembro
se já escrevi sobre isto antes.

A garrafa que guarda
suco de uva e vinho
quando esvazia
            deixa restos
            riscando o vidro.

Pode-se chacoalhá-la
e ter algum som
ou
ver os desenhos
que se formam
            nas paredes
            desse continente cristalino.

Com a memória
não há diferença.
De um caminho para outro
nos movemos
            conteúdos
            formando imagens do que restou
            frutas bebidas pequenos festins
            tudo desaguando
            em rios e aquários de rubra peça.

Pesca-se o restante montando cabeças em
troncos
e pernas invertidas, um brinquedo infantil.

Se queres entrar, peça-me passagem.

Lembrar não é recordar
mas, aos poucos, por cheiro gosto
e ódio
ir recompondo esses quebra-cabeças
            das crianças avessas
   que fomos eu e tu
            os trabalhos perdidos
                                    a esperança.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Texto seco sobre silêncio e mar

Num texto seco,
escrevo
sobre como não há silêncio absoluto e um mar.

Quero toda minha obra pobre sobre essas marcas de pó.

A falta de som
amontoa pequenos significados juntos
como na pequena gota de sangue
a carregar todo o registro
do que somos éramos seríamos seremos. Sérios rios e serenos.
Não usar o presente como fotografia. Tampouco usá-las para viver de modelos

As pessoas não conversam
depois das chuvas
os automóveis carregando
um chacoalhado ao lado do outro
no modo da mãe com seus bebês

os televisores falam sozinhos
para casais na sala escura
seus filhos adormecidos

ou com homens sozinhos
sentados no terreno grande

lavrando a chuva de espera
sem desejar que muda ela seja
a árvore e a hora certeira.

Os momentos e poemas sem sal
apenas os são, mais nada. Eu leio as ondas
para saber que não consigo escrevê-las.

E os seus movimentos ritmados
nunca se repetirão no chão das minhas rimas meninas, coração.

Olhar-nos nus é o mesmo que estar
diante das águas. Onde levam

aquela folha que você via correr na calçada
quando os mais velhos a lavavam?

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Noturno

A rua pela noite
é meu instrumento musical preferido.

E os carros
passando devagar
são ondas mansas, as vagas

de uma cidade que se apaga,
mas não toda e inteira:
as famílias voltam da serra para suas casas

e os faróis são pequenas pérolas
de um colar delicado. Cuidado.

Os automóveis assim soam
por não haver aqui sinos
e porque todo lugar é água,
mar e um punhado de gente.

Aquele bloco irritado
a planejar arquitetar ludibriar
com vinganças e amar planos
de quem não se vê mergulhado também
em profunda infelicidade, mas eu vejo.
Não assino em direção alguma, apenas aceno.

E é por isso
que passo a pássaros
de pés
como pisando em grandes teclas
ou a soprar paletas
(vão e voltam)

nesses sons de sono noturnos, sozinho.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sol e chuva, casamento de...raposa.


Sonhos - Kurosawa - Raposas. Para mim, um sonhador sonâmbulo.
"Distraídos, venceremos." - Paulo Leminski

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Feras

Na penumbra
me acostumastes
meus olhos eram
os próprios lobos

a te ver e ter
alma nua.

Era
a fera
de ida
e espera
é ir de encontro
aos teus pontos.

Nesses jogos da tarde
e seus perfumes
seu olhar de bebê

eles
me libertam
retiram leve a coberta

dessa carne
sob camadas
pequenos
quadrado de escamas
a fogueira desperta

mostrando
no fundo em segundos
esse rosto
as patas os dentes as vozes
cada pedaço tudo pernas
animais dóceis
é um laço a você.


domingo, 16 de janeiro de 2011

Novas resoluções

Estou decidido a, de agora em diante, seguir o que sinto como uma fidelidade a um certo amor prório e não mais esperar por ninguém que não me responda ou espere.

O amor pede coragem. Então, no trapézio, eu pulo

sábado, 15 de janeiro de 2011

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Eu abrevio
sua nota musical
a assobio

como bobo
louco
ou delinquente.

Suas mãos
deram nova fisionomia
ao meu rosto.

Elas,
que - nem nos modos da chuva -
são tão pequenas

têm embalado
a tudo como uma brisa
um vento, iscas. Faíscas
chama minha
luz.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O telhado





Meu telhado abriga muito.
Chove - a cidade num aquário -
trazendo, de repente, a ele:

um lenço branco.

Não é uma noiva, atenção! Sobre a cabeça, miragens.

Nele
já havia o túmulo de um passarinho
e um sapo-folha
a cochilar cochichos de costas para nós
difícil identificá-lo
enquanto chuva não passa.

Da antena, captamos
sinais estrangeiros
e memórias do passado
em idiomas retintos. A fabricação do presente
é distinguir onde uns começam e as outras terminam.

Há uma pasta negra e limo
nos formam

a mim e as telhas
para proteger-nos de sol e alagamentos
dessas avalanches de água duma natureza vingativa.

Elas também são gotas no vidro
pro casal que se conhece e a
usa à sons de fundo.

Eu quero esse telhado me guardando
o bom
e de toda gente escrota desse mundo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Tuyo

 

E você, amor, me reaparece
à essa hora? Em atraso. Falso.

O tempo é perdido
as horas gastas
acreditar em quê? Na sua palavra
feita de brisa e dia aberto?

Não me venhas

como um lembrete
num papel amassado
aquela música que eu ouvira
as velas guiando os primeiros passos -

esconde-te!

nas conchas do vento
por trás das orelhas
e dorme. Deixa-me dormir

e sobreviver a sua doce maldição.
Diabólico encanto de salvar.

Dispenso a tortuosa caridade. Desejo é
a carícia. Incorreta e imprecisa.

Se toda pessoa
em si adormece a fera e o fel
faz-me esquecer do ouro e daqueles fios finos

das mãos espalmadas sobre uma casa
feita de devaneios. Eu a quero na areia
no chão de pedra
sobre as tuas folhas velhas.

Nela nossos pés descalços. As flautas.
Espaços para cada exagero meu.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre a prática do amor como perigo e zero


Amores e paixões como drogas
entorpecentes
e seus riscos e perigos. Zeros e vazios
como sedutoras folhas brancas. Pomares

Eu toquei no teu amor perigoso
e não vou usar a desgastada imagem do violão

seus braços
eram o corpo das cordas

dedilhadas, em beliscado,
sem qualquer ferramenta.

Usando apenas o
cálido. Esse escrever bobo.

Te assistindo como a uma cena
sem repetição possível, meu cinema particular.

E se passaram séculos
entre vontade e palavra
como se ladrilham ou asfaltam
caminhos primitivos

anteriores a
qualquer forma de civilização ou linguagem
nos quais os amantes se reconhecem
a apelos (silêncio), pelo e pele.

Pela rua,
andei sendo a primeira criança
ouvindo a primeira melodia
tocada em disco.

Nós, as primeiras pessoas a cantar
enquanto
a tecnologia
e as orgias do acidental
de uma multidão de homens a lapelas vazias
e mulheres a tramar bobos planos

tudo isso
se fez desnecessário. Toda a cena
dividida claramente em duas
a beleza em sua forma genuína
- me aparecendo como a um iniciado -
e o triste circo dos homens, velho conhecido.

Meu poema para a leitura dos alunos e professores especiais

Leitura do ano


É preciso deixar a casa em branco,
as prateleiras e os armários vazios
para receber o ano.

Aceitá-lo
no seu absurdo e desamor
nas tardes vazias e opacas –
não há brilho naqueles olhos.

Guardar todas as leituras
nas lembranças da mochila
porque um pouco do que eu vejo
sempre vai ficar naquele canto que aparece
quando a página vira. O rabiscado na cópia, registros

e eu vou seguindo
com o céu a se abrir no texto
na descoberta daquelas palavras e daquele mundo
pela primeira vez. Com e ao lado de cada um.

Choro e me choco
com toda forma estúpida de brutalidade


me livrando de nunca brincar de Deus
jogando nesse tabuleiro que nunca finda
sem linha de chegada ou regras. Esse jogo sujo joio
de aparência.

Deixo aquele silêncio.
Ele permanece diante da bagunça
preserva o que do amor fraterno precisava ficar

e é feito de todos que me carregaram até aqui,
um lugar tão bonito.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A arte de fingir que não te espero


A arte de fingir
que não te espero
ao lado do telefone
totalmente enroscado nessas
inúteis patéticas redes sociais, peixe.

De não lembrar-te
em filmes que ensinam a
bobamente
ter esperança em se apaixonar
ou no amor
como um delicado plano, armadilha, tocaia
no qual o mínimo assobiar em falso
pode tudo pôr em risco.

E essa fé boba
que voltando você me devolve
de acreditar num passado perdido
em reerguer meu corpo pobre
os sonhos por mim
tendo-te apenas como testemunha. Ali

A arte de dar risada
e fazer tudo mais ou menos como
ninguém mais acredita
que se deve fazer.