sábado, 20 de junho de 2015

Fios



No dia em que vi o cão derrubar seu dono para lutar com outro,
foi quando escrevi essa história para ela.

A tarde era rosa e eu descrevia a paisagens
e os tempos para contornar
o ocorrido até chegar a hora.

E ela chegou.

Você caminhava, 
com meias e sandálias, 
para levar um menino ao trem.

Eu era pequeno 
e a música que havia ficado parada 
e esquecida no rádio voltava a tocar
agora.

E ele chorava de medo. 

Seguir adiante? Atravessar as estações? Ter de ouvir a velha piada sobre o que permanece e os passageiros? 
Viver era temer deslizar pelas rodas das ruas.

Mãe, eu não quero ir. 
E te odeio.
Faz frio.
Você me despeja no carro. 
E eu sumo.
Nunca mais nos vemos de novo,

Então você ajoelhava, entre vocês dois,
o trem e a plataforma, uma mãe e seu filho, o lustre e as ondas de luz, 
e olhava bem para ele. Cega. Sem os óculos. 
Esse cinema da vida cotidiana.

E o abraçava nada dizendo.

Mas eu sabia ler aquele abraço. 
Ele falava de preparar pelo afeto alguém para ir à cidade. 
Para ir à Saúde.
Para ir à saudade.

Lá,


Onde milhares de braços o aconchegariam
e as pessoas estariam doentes, 
vez ou outra deixando-se morder ou engolir por essa estátua 
enorme e ciumenta de luz e cimento.

Mas tocá-lo 
era enredar o filhote 
num barbante muito fino e delicado.

Nesse fio invisível. Amarrado sobre os dedos. Aliviando. Vivo.