quinta-feira, 24 de março de 2011

Peito de pano

Na parte de cima
da casa
que escolhi pra morar,

quando a costureira
derruba um botão
o ouço
como se estivesse lá. Caísse em mim.

Nas abas
da memória turva
quando chega a rosa rainha

e a vejo dançando
em volta de mim
não há divisão no tempo
estamos lá
conversando

sobre as rodas
o que virá:

- Você vai se surpreender.
Era verdade. Eu me surpreendi.

Sou a camisa desabotoada
desbotada e amarela

marcada pelo
tecido daquela saia
por aquele abraço grande

aquela montanha
acolhendo a gente. Grande. Leve, aberto.

Precisa haver justiça
na morte dos nossos mestres, sentido.

Percebo-me feito
desses retalhos
cada
fio foi
amarrando torto fazendo tosco
esse peito de pano.

terça-feira, 8 de março de 2011

Por que você não consegue ler esse livro?

Você não consegue lê-lo
e o leva junto das roupas
numa viagem de carnaval
porque percebe isso,
que já viu antes:
uma vareta de indiano incenso
queimou seu perfume sobre todas as coisas.

Esses riscos de ar
desenham uma casa
formada de aparências, miragem
cuja residência
seus dedos declinaram.

Trata-se da primeira vez
a passar pelas plantações
devastadas por um março líquido
em que julgas viajar sozinho, mas
lá está o fantasma a impregnar tudo.

As personagens do livro
trocam cartas
e entre uma página e outra
sussurram sobre os absurdos
desse triste destino:

- Veja os olhos. Não são mais os mesmos.
- Cadê aquele brilho?

Enquanto os de sua idade
permanecem num estado estranho
misto de sono e vigília
pelas vozes de suas séries,
o médico gostando de assassinatos
os amigos que dividem, felizes, uma casa
as famílias de mulheres perspicazes,
toda uma cultura seriada e instantânea, alheia a sua,

eu me vejo parado. Exercitando perdoar o passado
exorcizar os demônios de estimação que deixou
e escutando os rastros de som seus que se espalharam
pelos espelhos e páginas da minha pele e livros.
Agora, chega. É hora de ler toda a história até o fim.